21 de junho, Elaine Tavares
Li cada uma das 447 páginas do livro de Gert Shinke
"O golpe da reforma agrária - fraude
milionária na entrega de terras em Santa Catarina" e não me surpreendo que esse trabalho
milionária na entrega de terras em Santa Catarina" e não me surpreendo que esse trabalho
tenha sido
recebido com olímpico silêncio pela imprensa local. Fruto de uma meticulosa
pesquisa, o livro mostra quem recebeu terras no estado durante a ditadura
civil/militar,
quanto levou e como conseguiu. Tudo isso configurando uma
fenomenal fraude orquestrada
pelos governantes para garantir seus currais
eleitorais. Sob a figura do Instituto de Reforma
Agrária de Santa Catarina, as
terras públicas foram para as mãos privadas e muito pouco
chegou, de fato, aos agricultores. Logo, o que aconteceu não foi uma reforma agrária, mas
uma festa politiqueira.
chegou, de fato, aos agricultores. Logo, o que aconteceu não foi uma reforma agrária, mas
uma festa politiqueira.
Gert Shinke começa seu trabalho traçando um breve
histórico sobre o modelo de ocupação
da terra no Brasil e em Santa Catarina, baseado em gado, armas de fogo e arame farpado.
Conta como os mais ricos foram se apropriando das terras desde a chegada dos portugueses
na comitiva de Cabral. Depois, mostra qual era a proposta de reforma agrária que estava
embutida nas famosas reformas de base de João Goulart, o presidente que foi deposto pela
da terra no Brasil e em Santa Catarina, baseado em gado, armas de fogo e arame farpado.
Conta como os mais ricos foram se apropriando das terras desde a chegada dos portugueses
na comitiva de Cabral. Depois, mostra qual era a proposta de reforma agrária que estava
embutida nas famosas reformas de base de João Goulart, o presidente que foi deposto pela
ditadura militar. Em seguida discorre sobre os anos 70, época em que se deu boa
parte da
história da fraude. Toda essa complexidade histórica é narrada com um texto simples, sem
a empolação acadêmica.
história da fraude. Toda essa complexidade histórica é narrada com um texto simples, sem
a empolação acadêmica.
E, a partir do capítulo cinco Gert abre a tampa da caixa de
pandora do IRASC, o tal Instituto
de Reforma Agrária, ao qual chegou nas suas buscas de fontes para respaldar a ideia de que
uma grande extensão de terra no Pântano do Sul deveria ser um parque público. Assim, o que
era para ser só um elemento de disputa numa batalha comunitária, acabou sendo um universo,
até então desconhecido, do que chama da maior fraude já vista no estado.
de Reforma Agrária, ao qual chegou nas suas buscas de fontes para respaldar a ideia de que
uma grande extensão de terra no Pântano do Sul deveria ser um parque público. Assim, o que
era para ser só um elemento de disputa numa batalha comunitária, acabou sendo um universo,
até então desconhecido, do que chama da maior fraude já vista no estado.
A pesquisa de Gert desvela que o IRASC, criado em 1961, para
alavancar a reforma agrária
sonhada por Jango, acabou sendo o espaço da entrega
de milhares de hectares de terra durante
a ditadura militar, sem qualquer
ligação com sua inicial função. E ali está o nome e o
sobrenome de todos os que dirigiram o Instituto, os que governaram o Estado, e dos que
foram beneficiados.
sobrenome de todos os que dirigiram o Instituto, os que governaram o Estado, e dos que
foram beneficiados.
Os documentos mostram que foi a partir do governo de Ivo
Silveira que os títulos começaram
a ser distribuídos em maior volume. Para se ter uma ideia, de 1962 a 1964, anos anteriores ao
a ser distribuídos em maior volume. Para se ter uma ideia, de 1962 a 1964, anos anteriores ao
golpe, foram emitidos
330 títulos. De 64 a 68, quando a reforma agrária já tinha ido para o
saco, em Santa Catarina o IRASC emitiu 2.145 títulos de terra. De 1969 a 1971, foram
4.620 títulos e de 1972 a 1974 chegou a emitir 7.590 títulos, sendo o período de maior
distribuição, configurando 76,2% de tudo que já foi titulado em Florianópolis desde 1904.
Nesse período governaram o estado Celso Ramos, Ivo Silveira/Jorge Bornhausen, Colombo
Salles e Antônio Carlos Konder Reis.
saco, em Santa Catarina o IRASC emitiu 2.145 títulos de terra. De 1969 a 1971, foram
4.620 títulos e de 1972 a 1974 chegou a emitir 7.590 títulos, sendo o período de maior
distribuição, configurando 76,2% de tudo que já foi titulado em Florianópolis desde 1904.
Nesse período governaram o estado Celso Ramos, Ivo Silveira/Jorge Bornhausen, Colombo
Salles e Antônio Carlos Konder Reis.
Gert levantou todos os números e verificou que o IRASC
distribuiu 1.100 glebas em
Florianópolis, o que daria algo em torno de 60
quilômetros quadrados, considerando que
cada gleba mede o equivalente a 7,8 campos de futebol. Alguns títulos surpreendem como é
o caso dos que foram dados a Abel Just, no Pântano do Sul, cuja soma ultrapassa os 600 mil
metros quadrados. Pelo menos 69 das glebas distribuídas ultrapassam os 100 mil metros
quadrados, o que equivale a terra demais para uma única pessoa.
cada gleba mede o equivalente a 7,8 campos de futebol. Alguns títulos surpreendem como é
o caso dos que foram dados a Abel Just, no Pântano do Sul, cuja soma ultrapassa os 600 mil
metros quadrados. Pelo menos 69 das glebas distribuídas ultrapassam os 100 mil metros
quadrados, o que equivale a terra demais para uma única pessoa.
A documentação ainda mostra que apenas uma minoria - quase
insignificante - usava a terra
para plantar, como requereria se fosse o caso de estar se fazendo uma reforma agrária. Os
demais apresentam argumentos como morar e legalizar, em documentos muito simples, sem
que precisassem provar qualquer relação com a agricultura.
para plantar, como requereria se fosse o caso de estar se fazendo uma reforma agrária. Os
demais apresentam argumentos como morar e legalizar, em documentos muito simples, sem
que precisassem provar qualquer relação com a agricultura.
Cada tabela, quadro ou documento mostrado no livro foi
fotocopiado dos arquivos oficiais e
ali está tudo comprovado. Definitivamente os governantes aproveitaram o Instituto de
Reforma Agrária para promover a maior distribuição de terras no estado inteiro, sem que,
de fato, estivesse sendo feita uma reforma agrária.
ali está tudo comprovado. Definitivamente os governantes aproveitaram o Instituto de
Reforma Agrária para promover a maior distribuição de terras no estado inteiro, sem que,
de fato, estivesse sendo feita uma reforma agrária.
Tudo isso mostra como a questão da terra - principalmente em
Florianópolis que virou uma
paisagem especulada - encerra muito mais mistério
do que pode sonhar nossa vã filosofia.
O trabalho paciencioso de Gert também
nos leva a pensar sobre como se dá a propriedade e
quem, de fato, tem direito à
ela. Se efetivamente a terra precisa cumprir uma função social,
o escândalo da distribuição de títulos em Santa Catarina comprova que, aqui, esse quesito
não foi considerado. O papel do IRASC foi, efetivamente, garantir o acúmulo patrimonial
aos "amigos da corte", aprofundando o abismo entre os ricos e os empobrecidos.
o escândalo da distribuição de títulos em Santa Catarina comprova que, aqui, esse quesito
não foi considerado. O papel do IRASC foi, efetivamente, garantir o acúmulo patrimonial
aos "amigos da corte", aprofundando o abismo entre os ricos e os empobrecidos.
A exemplo do que aconteceu no tempo da Lei de Terras, o
período da ditadura militar em
Santa Catarina serviu para enriquecer uma boa pá de gente, a que, na sua maioria, detinha
informações privilegiadas sobre como requerer as terras, coisa que era feita de forma singela
e rápida.
Santa Catarina serviu para enriquecer uma boa pá de gente, a que, na sua maioria, detinha
informações privilegiadas sobre como requerer as terras, coisa que era feita de forma singela
e rápida.
A obra de Gert Shinke é o retrato impressionante de como
alguns governantes e funcionários
públicos fizeram uso das terras
públicas para garantir riqueza e poder. Um livro imperdível
para quem quer
realmente conhecer as entranhas da história do nosso estado. E pensar que
muitos ainda enchem a boca para, por exemplo, criticar a demarcação de terras
indígenas ou ocupações feitas por famílias sem-terra e sem-teto. Bocas essas
que sempre
estiveram convenientemente fechadas quando escândalos como esse,
narrado por Gert, se
fizeram.
O golpe da reforma Agrária, editado pela Insular, é de
leitura obrigatória.
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